Entre Cumes e Abismos no Parque Natural de Las Ubiñas - La Mesa

Maria Silva
Não é loucura, é paixão!
Um chamamento que só quem ama a montanha compreende.
Capítulo 1
Ascenção à Peña Ubiña
Um desafio de esforço e superação...



Há uma força estranha que nos arranca da cama às 1h00 da manhã, depois de apenas duas horas de sono. Um impulso que nos faz trocar o conforto dos lençóis pelo frio da madrugada, o calor da casa pelo gelo das alturas. Não é loucura, é paixão. Um chamamento que só quem ama a montanha compreende.
A aventura começou muito antes da subida. Depois de quase cinco horas de viagem, cruzando estradas adormecidas e vilas silenciosas, chegámos a Torrebario. O cansaço pesava, mas a antecipação falava mais alto. Lá fora, o ar glaciar cortava como navalha, e no céu estrelado desenhava-se a silhueta das montanhas que faziam a Cordilheira Cantábrica. A Peña Ubiña, com os seus 2417 metros de altitude, esperava por nós.
Sem tempo para hesitações, carregámos as mochilas e iniciámos a caminhada. O primeiro troço, ainda sem grande neve, era um estradão de terra batida endurecida pelo gelo, onde os passos ecoavam no silêncio da madrugada.









À medida que ganhámos altitude, a paisagem foi-se transformando. O solo deu lugar a um tapete branco persistente, cada vez mais espesso, sinal de que estava na hora de equipar para a etapa mais exigente da ascensão, que seguiria em cordada – éramos seis, divididos em dois grupos de três.
Depois de retemperar as forças, apertámos os crampons, ajustamos arneses e capacetes e empunhamos os piolets com determinação. A montanha, impassível, erguia-se à nossa frente, impondo o seu desafio.
A partir dali, o caminho tornou-se mais árduo. O vento ganhava força, chicoteando a neve contra os nossos rostos, enquanto o terreno se inclinava cada vez mais, exigindo cuidado e precisão. Ligados pela cordada, avançávamos em sintonia, garantindo a segurança uns dos outros, confiando nos passos de quem seguia à frente e contando com o apoio de quem vinha atrás.
Para trás, ficava a Peña Ubiña Pequena, erguendo-se como uma sentinela silenciosa. Tal um espectro, meio oculta pelo nevoeiro, que começava a envolver os cumes, dava um tom mais austero à paisagem. No vale abaixo, os contornos esbatidos na névoa lembravam-nos da altitude já conquistada.

À nossa frente, a Peña Ubiña revelava a sua face mais dura: uma parede branca e escarpada que parecia intransponível. O último troço da ascensão foi um teste de resistência. O nevoeiro adensava-se, tornando cada metro um desafio. O mundo reduzia-se ao alcance da nossa vista, à pegada seguinte, ao som metálico dos crampons a cravarem-se no gelo. O frio infiltrava-se pelas luvas, mordendo os dedos; mas a vontade de chegar ao topo falava mais alto.
E, finalmente, o cume. A Peña Ubiña, rendida por instantes, permitia-nos ali ficar, entre o nevoeiro e a vastidão branca. O vento assobiava, levando consigo as palavras, mas não o sentimento de conquista. Sem grandes vistas, apenas um mar de névoa gelada, celebrámos com os companheiros de cordada, unidos pelo esforço partilhado e pela cumplicidade da ascensão. A verdadeira paisagem estava dentro de nós – o caminho percorrido, o desafio superado, a certeza de que, por um momento, a montanha nos pertencia.
Satisfeitos, iniciámos a descida, já em piloto automático, mas sem descuidar a atenção ao terreno. A neve, antes firme, amolecera com a subida da temperatura, tornando cada passo mais traiçoeiro. O declive exigia cautela, e os crampons fixavam-se no solo incerto, equilibrando-nos entre a fadiga e a necessidade de precisão.
O ‘abrigo’ aguardava-nos mais abaixo, uma promessa de conforto após o esforço. O pensamento já se deixava levar pelo calor do interior e pelo aroma da comida quente que nos retemperaria as forças. Quando finalmente lá chegamos, entregamo-nos ao momento. Entre conversas animadas e o merecido repasto, saboreamos não apenas a refeição, mas também a satisfação de um dia bem vivido.
Era tempo de repousar. Amanhã, a montanha voltaria a chamar, e estaríamos prontos para responder a mais um desafio 100 Trilhos.

Capítulo 2
Escalada vertiginosa aos cumes brancos de El Prau e Fontán Norte
Atrás de metas ambiciosas...

A montanha chamou.
Depois de uma noite de sono rápido, mas reparador, e de um pequeno-almoço improvisado, voltamos a calçar as botas, ainda marcadas pelo esforço do dia anterior. Os pés doridos recordavam-nos a dureza da montanha, mas a vontade de voltar a enfrentar o desafio falava mais alto.
Ainda antes do nascer do sol, iniciámos novamente a subida pelo mesmo estradão de Torrebario. O objetivo deste segundo dia era ambicioso: alcançar os cumes de El Prau e Fontán Norte. Com o sol a despontar no horizonte, ajustámos o ritmo e seguimos em frente, prontos para mais um dia de aventura no Parque Natural de Las Ubiñas – La Mesa.
À medida que avançávamos, os primeiros raios do sol alaranjados revelavam, com uma beleza quase cruel, as alturas que teríamos de conquistar, mas a visão dos vales e cumes emergindo da névoa compensava qualquer sacrifício.



Ao chegar à encruzilhada, que no dia anterior nos levou às Ubiñas pela direita, tomamos o caminho da esquerda, em direção a El Prau, o primeiro objetivo do dia. Avançámos até à base da montanha, para nos equiparmos. Com os crampons apertados e os arneses ajustados, voltámos a formar as duas cordadas do dia anterior e preparamo-nos para a subida.
A pendente vertical perante os nossos incrédulos olhos impunha respeito. A sua acentuada inclinação obrigou-nos, em algumas partes, a apoiar as mãos no chão e a cravar os crampons e o piolet com firmeza para ajudar a içar o corpo. O esforço foi intenso, mas, passo a passo, conquistámos a encosta até finalmente atingirmos o cume de El Prau a 2.357 metros de altitude.
A aventura, no entanto, estava longe de terminada.
À nossa frente, aguardava-nos a perigosa passagem do Horcado del Fontán, uma passagem técnica onde a segurança era fundamental. Com cautela, montámos as cordas para uma progressão segura. O vento glaciar e a exposição do percurso exigiam concentração máxima, mas o espírito de equipa e a vontade de superação levaram-nos em frente. O segundo cume do dia, com 2414 metros de altitude, estava cada vez mais perto.



Chegámos ao Fontán Norte! Orgulhosos, saudamo-nos mutuamente, pelo feito alcançado.
Esperava-nos a temida descida de regresso pelo Horcado del Fontán, que não podia ser evitada. Feita em rappel guiado, com a mestria inigualável do Nuno Cunha e o apoio imprescindível do José Trindade, a descida revelou-se mais controlada e menos intimidante.
Para encurtar caminho, o regresso fez-se descendo na vertical. Foi um empreendimento que exigiu força nas pernas para espetar os crampons e o piolet à parede de gelo que nos segurava à vida.
Prosseguimos a descida por um corredor onde a neve, agora mais mole, comprometia a estabilidade de cada movimento. Entre quedas e afundanços, chegámos ao sopé da montanha, onde nos libertamos de todo o equipamento que nos mantivera seguros lá em cima.
Sentimos o chão firme sob os pés e, com o coração cheio, deixámo-nos conduzir em direção à povoação, certos de que cada instante vivido seria para sempre uma parte de nós.
Foram dois dias intensos. Levamos connosco memórias marcadas pelo rigor e beleza dos percursos e pelo companheirismo inabalável. Cada obstáculo ultrapassado confirmou que a verdadeira conquista não reside apenas no cume, mas em todo o caminho partilhado.


Add comment